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Por que devemos ser contra a redução da maioridade penal?

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Por Leandro Santos – Revista Vírus

ReducaoNaoEhSolucaoNo última dia 17 de junho, uma Comissão especial aprovou na Câmara dos Deputados o texto da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. O texto da PEC 171, que circula há pelo menos 22 anos no país, ganhou efervescente destaque nesse ano de 2015, gerando um grande debate na sociedade.

Ultimamente tenho participado de debates, aulas e rodas de conversas sobre o tema, além do acompanhamento de pesquisas e opiniões de diversos especialistas na área. E fui convidado para neste sábado (27), apresentar uma aula pública sobre o tema da redução em uma praça do município de Itaguaí – RJ. Enquanto consultava as fontes para preparar a aula pública, decidi escrever esse texto compartilhando os motivos pelos quais eu sou contra a redução da maioridade penal e por que todos nós também devemos ser.

O primeiro ponto de análise que devemos observar é sobre as condições do atual sistema carcerário brasileiro. Segundo dados divulgados na última terça feira (23) pelo Ministério da justiça através do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), a população carcerária no Brasil aumentou 33% nos últimos 6 anos. Tal aumento levou o Brasil a bater a marca de mais de 600 mil presos e a se consolidar como a 4ª maior população carcerária do mundo (3ª maior considerando os presos domiciliares), onde 2 em cada 3 presos são negros (67%) e 56% são jovens, negros, pobres e com baixa escolaridade. Além disso, cerca de 41% destes presos estão em situação de prisão provisória, ou seja, estão aguardando julgamento (alguns há mais de 2 anos), o que contribui para a superlotação dos presídios [1].

Reparem que é nesse sistema falido, racista, que não proporciona recuperação e reinserção social para ninguém e que, por muitas vezes, faz com que o preso saia pior do que entrou que querem jogar nossos jovens, principalmente os jovens negros, pobres, moradores das periferias que serão os principais afetados.

O segundo elemento é sobre os mitos que são propagados acerca da redução da maioridade penal[2]. Um desses mitos é que o Brasil estaria indo na contramão de países desenvolvidos que reduziram a idade penal e endureceram suas leis. Este argumento é uma falácia, visto que o estabelecimento da idade penal em 18 anos é que se configura como tendência mundial. Países como Inglaterra, Holanda e França, possuem a idade de responsabilidade penal em 10, 12 e 13 anos respectivamente. Idade de responsabilidade penal é diferente de imputabilidade penal (“maioridade”). No Brasil, a idade de responsabilidade penal é de 12 anos. Ou seja, segue a tendência mundial.

Outra falácia constantemente pronunciada pelos defensores da redução da maioridade penal é que em países onde penas mais duras para adolescente foram adotadas tiveram resultados na diminuição da violência. O que não é verdade. Todos os países que reduziram a maioridade penal não tiveram melhoria na questão da violência e muitos voltaram atrás da decisão [3]. Na Espanha, por exemplo, após as modificações na Lei do Menor, as taxas de crimes cometidos por menores de 18 anos aumentou. Espanha voltou atrás da decisão e fixou a maioridade penal em 18 anos, assim como na Alemanha que a maioridade penal ficou estabelecida em 18 anos e pode ser estendida para 21 anos.

Por fim, mais alguns motivos pelos quais sou contra a redução da maioridade penal são a existência de leis que tratem de adolescentes em ato infracional, o índice de reincidência nos presídios comparado ao índice de reincidência no sistema socioeducativo, as condições do sistema prisional no país e o projeto de privatização dos presídios e os dados que apontam que os jovens são as principais vítimas da violência no país.

Como já tratado no texto, sobre a responsabilidade penal de adolescentes, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que adolescentes a partir dos 12 anos sejam responsabilizados por seus atos infracionais e recebam até 6 medidas socioeducativas previstas no artigo 112 do ECA. São elas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semi-liberdade e internação em estabelecimento educacional [4].

A reincidência dos crimes após a saída da prisão também é um problema a ser considerado por aqueles que defendem a redução da maioridade penal. Enquanto no sistema prisional a taxa de reincidência chega a 70%, no sistema socioeducativo essa taxa fica entre abaixo dos 20%. Reduzir a maioridade penal é colocar adolescentes em um sistema prisional cada vez mais superlotado, desumano e com riscos de aumentar a reincidência criminal entre adolescentes [5].

Outro projeto que está por trás da redução da maioridade penal é a privatização dos presídios. Assim, os presos tornam-se verdadeiras mercadorias, trazendo lucros para os empresários dos presídios. Quanto mais presos, mais lucros. E em um sistema penitenciário que conta com pouco mais de 300 mil vagas e possui mais de 600 mil presos, reduzir a maioridade penal é trazer ainda mais lotação para estes presídios e abrir caminho para a iniciativa privada [6].

Por fim, os adolescentes são as maiores vítimas da violência no país e não os principais atores. Enquanto o número de adolescentes que cometeram atos infracionais correspondam a 0.5% do total de jovens do país, entre 1980 e 2010 a taxa de homicídios contra crianças e adolescentes de zero a 19 anos aumentou 336%. São mais de 175 mil assassinatos contra os jovens brasileiros. Só em 2010 foram 8.686 assassinatos, correspondendo 24 assassinatos por dia [7].

A redução da maioridade penal não resolverá os problemas da violência no país. Pelo contrário. Só fará com que nossa sociedade fique ainda mais refém da violência e jogará nossa juventude nas masmorras do sistema prisional para atender os interesses daqueles que extraem seus lucros da exploração do povo pobre, preto e morador das favelas.

Para fazer esse debate é necessário um olhar cauteloso, racional, analisando os dados, as experiências de outros países e as possibilidades que possuímos. O discurso emocional, vingativo, de justiçamento, intimamente ligados ao senso comum não ajuda em nada no debate e se você é daquelas pessoas que pensam que bandido bom é bandido morto e que tem mais é que deixar as pessoas padecendo em celas, sinto informar, mas isso não te diferencia muito de quem comete alguém crime.

É muito fácil utilizar discursos meritocráticos e colocar nossas experiências de vida como padrão para qualquer pessoa a partir do conforto de nosso lar, de nosso emprego e universidade. Mas a sociedade é muito mais complexa do que a sala de estar de nossas vidas mesquinhas. Muitos jovens não tem sequer o mínimo para uma vida digna. Muitos convivem com esgoto a céu aberto, sem acesso a esporte, cultura, lazer e são constantemente massacrados pela propaganda do consumismo.

Reduzir a maioridade penal é fazer com que o Estado abra mão definitivamente de sua responsabilidade com nossa juventude. E não é isso o que precisamos. Nós necessitamos que nossos jovens tenham acesso a mais escolas, praças públicas, eventos culturais e esportivos, saúde, transporte e moradia digna. É preciso que o Estado cuide e não massacre ainda mais a nossa juventude.

Por estes motivos afirmo com total convicção que REDUÇÃO NÃO É A SOLUÇÃO!

Diga NÃO à Redução da Maioridade Penal!

2-ReducaoNaoEhSolucao
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Fontes:
[1] Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias Infopen. Disponível em:<http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf>. Acessado em: 25 de junho de 2015.

[2] Mitos e Fatos sobre a Redução da Maioridade Penal – Instituto Sou da Paz. Disponível em: <http://www.soudapaz.org/upload/pdf/mitos_e_fatos_online.pdf>. Acessado em: 25 de junho de 2015.

[3] Todos os países que reduziram a maioridade penal não diminuíram a violência. Disponível em: <http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/04/todos-os-paises-que-reduziram-maioridade-penal-nao-diminuiram-violencia.html>. Acessado em: 25 de junho de 2015.

[4] L8069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L8069.htm>. Acessado em: 25 de junho de 2015.

[5] Índices de reincidência em unidades para adolescentes são menores do que em presídios. Disponível em: <http://memoria.ebc.com.br/radioagencianacional/materia/2013-04-29/índices-de-reincidência-em-unidades-para-adolescentes-são-menores-do-que-em-pre>. Acessado em: 25 de junho de 2015.

[6] Quanto mais presos, maior o lucro. Disponível em: <http://apublica.org/2014/05/quanto-mais-presos-maior-o-lucro/>. Acessado em 25 de junho de 2015.

[7] Mapa da violência 2012 – Crianças e Adolescentes do Brasil. Disponível em: <http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2012/MapaViolencia2012_Criancas_e_Adolescentes.pdf>. Acessado em 25 de junho de 2015.


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