do Blog Feminismo à Esquerda
Fernanda estava grávida de apenas 6 meses e entrou em trabalho de parto, em consequência da ação violenta da PM na reintegração de posse de um prédio no Rio de Janeiro.
Fernanda e seu companheiro Sandro são sem-teto.
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No livro Por Que Ocupamos?, Guilherme Boulos ressalta que apenas uma pequena parcela dos sem-teto está em situação de rua. A maioria trabalha e mora em “barracos muito precários ou vive de aluguel que – pela baixa renda familiar – inviabiliza a sobrevivência familiar”.
No momento em que o livro foi publicado, eram 6 milhões de famílias sem-teto no Brasil.
A história de Fernanda não é diferente das histórias de muitas mulheres sem-teto: ela e o companheiro estavam desempregados e não conseguiram pagar o aluguel de uma quitinete. Mesmo em regiões periféricas, os aluguéis tem aumentado muito mais do que os salários. Então, é preciso escolher entre morar e comer. Esta escolha perversa é imposta todos os dias às milhões de famílias pobres que moram em favelas e regiões periféricas.
Em 2014, Fernanda e Sandro fizeram parte da ocupação que ficou conhecida como “Oi/Telerj”, quando os sem-teto ocuparam um terreno abandonado no Engenho Novo. Segundo a constituição, todos os imóveis devem ter função social. Portanto, deixar tantos prédios abandonados é ilegal. O terreno da Oi/Telerj estava abandonado há 20 anos. A mesma Constituição garante o direito à moradia digna para todos.
É muito complicado para a maioria da população entender que “quando morar é privilégio ocupar é um direito”. E quando falo em ocupar, não me refiro a uma casa de campo ou de praia de uma família de classe média, mas de edifícios e terrenos abandonados pelo Estado e pela iniciativa privada em nome da especulação imobiliária.
No entanto, é aceitável para a mesma maioria da população a imagem de pessoas morando em condições sub-humanas ou nas ruas.
Quem a polícia protege?
Na madrugada do dia 13 de abril, a Polícia Militar do Rio de Janeiro invadiu a ocupação de um prédio abandonado na Praia do Flamengo, que foi arrendado pelo Clube de Regatas do Flamengo para Eike Batista. Fernanda começou a sentir fortes dores e foi para um banheiro improvisado, enquanto bombas de gás e spray de pimenta eram atiradas em direção ao prédio.
A reintegração de posse deveria levar em consideração as vidas envolvidas e não a desocupação rápida dos imóveis. Definitivamente, a solução para o problema de moradia no Brasil não é mais polícia. Também não é enviar os sem-teto para viverem em lixões e barracos afastados do olhar sensível da classe dominante.
Os sem-teto não são criminosos, estão lutando por um direito garantido pela Constituição. Criminoso é o Estado, que não cumpre a Constituição, permitindo que pessoas morem em condições sub-humanas. Em última instância, criminoso é quem naturaliza (e quem naturaliza compactua) que outras pessoas simplesmente vivam assim, como se não existisse alternativa política e social possível.
Fernanda entrou em trabalho de parto e seu bebê caiu dentro de um vaso sanitário entupido. Enquanto ela sofria uma forte hemorragia, trinta policiais entraram no banheiro e separaram a mãe da criança. Neste momento, Isabel e outras mulheres sem-teto ampararam Fernanda.
Anna relatou nas redes sociais a ação da PM: “(…) a polícia cercou a ocupação. Começaram a gritar dizendo que iam tacar fogo no prédio e que os ocupantes iriam morrer queimados se não saíssem. Uma das mulheres, que estava grávida de 6 meses, com o desespero das ameaças, passou mal, foi ao banheiro e lá a criança nasceu. Dentro de um vaso sanitário”.
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Se essa história não provoca indignação, tristeza e horror, é provável que estejamos mesmo embrutecidos e perdendo aquilo que há de mais bonito na relação entre mulheres: empatia.